Fazer uma busca online para saber se café (cafeína) corta o efeito da creatina pode trazer mais dúvidas do que respostas.

Você encontrará vários artigos e vídeos, uns dizendo que sim e outros que não, todos supostamente baseados em evidências científicas.

E como estamos falando de duas das substâncias mais utilizadas por quem deseja melhorar a performance nos treinos e aumentar o ganho de massa muscular, não é de se estranhar que o tema gere tanta polêmica.

Continue lendo para entender como surgiu essa discussão sobre a cafeína bloquear o efeito da creatina e o que podemos concluir a partir dos estudos disponíveis: será mito ou verdade?

Café corta o efeito da creatina: a origem da polêmica

Você já deve ter ouvido falar que o consumo de café, por conter cafeína, prejudica a absorção de creatina no organismo ou simplesmente “bloqueia seus efeitos”.

Se isso for verdade, ao suplementar creatina é preciso evitar não só o café como também outras bebidas cafeinadas, incluindo, chás, refrigerantes à base de cola e chocolates. Sem falar nos suplementos pré treino, já que a maioria contem cafeína.

Mas, voltando à questão inicial, de onde surgiu essa ideia, de que a cafeína corta o efeito da creatina?

Em termos de senso comum, temos um raciocínio que parece bem lógico:

  • A cafeína tem efeito diurético, ou seja, estimula a eliminação de líquidos pelo corpo.
  • A creatina precisa de água para ser armazenada nas células musculares.
  • Logo, consumir café e outros alimentos com cafeína faz o corpo perder mais água, o que prejudica a absorção de creatina.

Porém, estudos já demonstraram que a ação diurética da cafeína é um tanto reduzida. Podemos citar a meta-análise publicada em 2003 que considerou a literatura sobre o tema produzida de 1966 a 2002.

A conclusão foi de que, com base nos estudos analisados, o consumo de bebidas contendo cafeína como parte de um estilo de vida saudável não leva à perda de líquido em excesso do volume ingerido ou causa hidratação deficiente.

Logo, não há porque deixar de consumir cafeína durante a suplementação com creatina para evitar uma perda excessiva de água.

Certo, mas, o que dizem os estudos que analisaram especificamente a interação da cafeína com a creatina no organismo? É o que veremos no próximo tópico.

Cafeína x creatina: o que os estudos indicam

Um estudo publicado há mais de 20 anos ainda é citado para justificar a contraindicação de se consumir cafeína e suplementos de creatina em conjunto.

O objetivo era comparar os efeitos da suplementação de creatina com a suplementação de creatina mais cafeína.

Os participantes foram divididos em três grupos, um recebia placebo, outro apenas creatina e o terceiro, creatina e cafeína, durante 6 dias.

A conclusão foi a seguinte: a suplementação de creatina aumentava significativamente o desempenho durante os treinos, porém, tal efeito ergogênico era eliminado pela ingestão de cafeína.

O problema é que o referido estudo, entre outras falhas, não analisou os níveis de creatina dos participantes, apenas a performance durante os treinos.

Logo, o fato de que o grupo que não consumiu cafeína teve um desempenho melhor não significa necessariamente que isso ocorre porque a cafeína “corta” o efeito da creatina.

Um estudo publicado dois anos depois apontou que a absorção de creatina, isolada ou combinada à cafeína, é rápida e eficiente, com base em sua concentração plasmática. Um dado que enfraquece a tese de que a cafeína prejudica o efeito da creatina.

Em 2010 analisou-se os efeitos de um pré treino contendo cafeína, creatina e aminoácidos durante três semanas de exercícios de alta intensidade, sobre a performance aeróbica a e anaeróbica dos participantes.

Os resultados demonstraram que houve melhora da performance aeróbica e anaeróbica. Embora esse não tenha sido o foco do estudo, tal conclusão nos permite extrapolar que a cafeína não interfere no efeito da creatina.

Concluindo: é mito ou verdade?

Levando em consideração que o primeiro estudo, que deu origem à polêmica, não teve seus resultados replicados posteriormente e que o leve efeito diurético da cafeína não poderia prejudicar a absorção de creatina, podemos concluir que é um mito.

Ao menos até que surja um novo estudo que aponte o contrário, você pode consumir seu pré-treino com cafeína e seu cafezinho enquanto faz a suplementação com creatina, sem medo.

É claro que o consumo de cafeína deve estar dentro dos limites considerados saudáveis. E quais seriam esses limites?

De acordo com uma revisão sistemática da literatura publicada em 2017, sobre possíveis malefícios do consumo de cafeína por indivíduos saudáveis, a ingestão de até 400 mg de cafeína por dia não pode ser associada a efeitos colaterais.

Então, para pessoas saudáveis, esse é o limite, 400 mg ao dia. Lembre-se de que nessa conta devem entrar as quantidades de cafeína presentes em todos os alimentos consumidos ao longo do dia: café, chá, suplementos alimentares, etc.

Como vimos, com base nas evidências obtidas até o momento, a ideia de que o café corta o efeito da creatina não passa de um mito.

Para os amantes do cafezinho e aqueles que não abrem mão da cafeína no pré treino, é uma ótima notícia!

Referências

Caffeine ingestion and fluid balance: a review. J Hum Nutr Diet. 2003 Dec;16(6):411-20. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19774754

Caffeine counteracts the ergogenic action of muscle creatine loading.J Appl Physiol (1985). 1996 Feb;80(2):452-7.https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8929583

Creatine and caffeine in anaerobic and aerobic exercise: effects on physical performance and pharmacokinetic considerations.Int J Clin Pharmacol Ther. 1998 May;36(5):258-62.https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Vanakoski%2C+et+al+creatine+caffeine

The effects of a pre-workout supplement containing caffeine, creatine, and amino acids during three weeks of high-intensity exercise on aerobic and anaerobic performance. J Int Soc Sports Nutr. 2010; 7: 10. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2854104/

Systematic review of the potential adverse effects of caffeine consumption in healthy adults, pregnant women, adolescents, and children. Food and Chemical Toxicology

Volume 109, Part 1, November 2017, Pages 585-648. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0278691517301709#bib170

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